Autor: Paulo Cantarelli

  • HABEMUS PODCASTUS ENTENDER FICTIONIS

    HABEMUS PODCASTUS ENTENDER FICTIONIS

    Informativo de sábado que não é a niusletter

    E lá vamos nós…

    Depois do sumiço — e da sabotagem digital dos hackers norte-coreanos —, resgatei os episódios antigos, restaurei o feed e, finalmente, dei início a uma nova temporada. Perdi o site, perdi a paciência, quase perdi o rumo — mas não perdi a vontade de conversar sobre o que importa: Grande Literatura.

    Como prometido, retornei com o episódio “Romance Novo, Vida Nova”, em que conto sobre minha ausência nas redes sociais e como esse tempo me permitiu escrever meu novo romance. Falo também dos bastidores da publicação, do uso das IAs na revisão da escrita (tema de nossas últimas newsletters) e, ao final, respondo aos e-mails de vocês.

    A partir desta nova temporada, optei por remover a numeração dos episódios — inclusive dos anteriores — para dar um tom mais atemporal ao programa. Também pretendo publicar por lá o áudio de alguns vídeos removidos do YouTube, que, acredito, serão bastante úteis para vocês.

    Retornaremos à programação normal na próxima newsletter, cujo tema é: tédio, tudo o que você precisa para aflorar a criatividade. É sério, só estou aqui escrevendo porque não tenho nada melhor para fazer; o tédio faz maravilhas!

    Se você ainda não me segue, clique aqui e avalie o programa no Spotify. Isso ajuda o projeto a continuar existindo — e a driblar os algoritmos das bigtechs:

    Ou, se você é diferentão: Apple PodcastsCastbox ou Feed RSS

  • #03 – Rapsódia dos Robôs Revisores

    #03 – Rapsódia dos Robôs Revisores

    E lá vamos nós…

    Mas, antes de começarmos, eu gostaria de te pedir um favor: preciso que você marque este e-mail com uma estrelinha, ou que interaja respondendo, para que meu domínio não caia em sua caixa de spam.

    Aqui os marketeiros pulam da cadeira e arrancam a cueca pela cabeça, dizendo: como assim, ele fez uma CTA no início do e-mail? Marketing é Retórica for dummies, intelectuais não precisam disso. Aliás, por que tanto marketeiro se acha intelectual na internet? Dinheiro virou sinônimo de inteligência no Iluminismo e olha no que deu…

    Pois bem, uma simples resposta a este e-mail garantirá que os próximos continuem chegando em sua inbox e de outras pessoas (quem se importa com elas?). Estamos chegando a quase 1000 leitores ativos, então os provedores ficam de olho. Você sabe que as bigtechs são controladas por… eles.

    Mas, não se preocupe, vou te lembrar de responder depois.

    Vamos ao nosso boletim cultural da semana:

    I – Brasileiro Pernambucano com nome de gringo recebe a Medalha Mozart em Viena

    Fato aleatório: descobri, via Revista Concerto, que um conterrâneo meu, o flautista James Strauss – sim, gente, é pernambucano mesmo – ganhou a Medalha de Ouro Mozart pela Mozart Gemeinde Wien, premiação concedida apenas 10 vezes desde 1974, dada a figuras do porte do maestro Karl Böhm (esse é bom mesmo) e da pianista Mitsuko Uchida (arigatō gozaimasu pelos Impromptus de Schubert).

    James Strauss Toca Mozart”, álbum condecorado, é absolutamente sublime, de tessitura ímpar para flauta: lúdica, melíflua, como deveria ser a maior parte da música de Mozart (ou ao menos de quando ele não estava para empacotar de febre reumática).

    James Strauss possui vasto currículo, tendo passado por academias de altíssimo nível, como o Conservatório Pernambucano de Música, do qual também tive o prazer de ser aluno, e outras de menor renome, como a École Normale de Musique, de uma cidadezinha chamada Paris (nem se compara ao Recife). Voltando ao ponto, não bastasse ser um gênio em sua performance, o sr. Strauss é também um Schindler brasileiro, que ajudou dezenas de venezuelanos a escapar da ditadura chavista.

    Infelizmente, só encontrei divulgações de seu trabalho pelo Vinheteiro (nunca me decepciona) e, pasmem, pelo Gordão dos Foguetes. Deus age por caminhos estranhos, mas vale a pena assistir à entrevista, clicando aqui. Algum burrocrata estatal, por favor, arranje uma Medalha Machado de Assis para esse homem! Vocês só servem para extorquir sonegadores inocentes e premiar o Ronaldinho Gaúcho?

    Já quando algum brasileiro cai dentro de um vulcão e ganha um Darwin Award, é aquela comoção nacional…

    II – Se estilo é o homem, este homem é uma m*

    Alguns de vós — singelas criaturas de exímio bom senso por ler meus escritos — estranharam meu tom demasiado informal e deveras cômico nestas seletas missivas digitais. Não obstante, limitar-me-ei a elucidar-vos brevemente os fatos e circunstâncias dessa deliberada escolha estilística: ninguém quer ler os discursos do Michel Temer (alguém traga uma pastilha, cof, cof …), ainda mais numa newsletter.

    No Instagram, sempre costumo dizer que um escritor deve conhecer o meio em que escreve. Portanto, um erro de gênero é um pecado mortal – nada contra o (a/e?) deputade Eri Katarrilton, estou falando de outro gênero: o literário.

    A newsletter é um formato de rápido consumo e conteúdo leve, ainda que repleto de referências culturais. Aqui, os parágrafos são curtos, com orações simples. Tento evitar ao máximo subordinações e coordenações complexas, por óbvio: pretendo que vocês se divirtam enquanto leem meus boletins em 5 minutinhos semanais, sem grande dificuldade. É preciso pensar na linguagem como um dress code: dependendo do lugar, mais roupa te fará passar tanta vergonha quanto pouca roupa. Deixo a prosa mais séria e densa para meus ensaios.

    Vale lembrar meu ideal: os grandes escritores nunca estão em busca de “sua própria voz”, mas do Estilo da obra. Shakespeare e Flaubert não se importavam com a autoidentificação autoral, pois não escreviam nem confissões baseadas em traumas, nem autoficções próprio-umbiguistas, típicas da modernidade.

    Esses grandes artistas têm dimensões universais, por isso conseguiam comportar a humanidade em suas personagens arquetípicas; Hamlet tem seus momentos de comicidade irônica, enquanto o gordo Falstaff tem lampejos de lucidez trágica. Grande parte do prazer da Literatura vem da tomada desses níveis de consciência, pelo leitor.

    Mas, chega de seriedade: va, vecchio John, va, va per la tua via

    Quer dominar a escrita dos grandes mestres? No EFESC, você aprende segundo os princípios dos clássicos: técnica, precisão e elegância. Receba direcionamento pessoal, revisões criteriosas e junte-se à comunidade mais séria da literatura contemporânea. Aprenda com quem entende de excelência e sabe o que faz. Matricule-se.

    III – Ei, Grok, isso é verdade?

    Ainda sobre IAs…

    Ontem, 04 de julho, postei no EFESC a aula 80, em que falo durante mais de uma hora sobre o meu processo de revisão, com todas as explicações filosóficas sobre por que uma calculadora NÃO FAZ OBRA DE ARTE. Eu já disse, gente, nem tudo o que é bonito é arte.

    Os designers ficaram desempregados, os pintores medíocres serão substituídos pelo Midjourney, mas os grandes artistas não reproduzem a realidade, recriam-na com um viés subjetivo único. Agora só ficou mais fácil lavar dinheiro, já que você não precisa mais nem de um idiota feito Pollock para isso.

    Na lista de melhores IAs para cada função, eis minha experiência:

    • O GPT é melhor para revisão e análise textual, com boa base de dados. Melhor ferramenta para propósitos gerais. A versão 4.5, voltada para geração de textos, ainda está sendo desenvolvida.
    • O Claude AI, até agora (versão Sonnet 4), mostrou-se melhor para gerar textos via prompt e alimentação de informações (responda àquele chefe chato sem ele notar que quem fala é um robô). Também é excelente para programação.
    • O Gemini (2.5) é ótimo para cálculos e busca de documentos na base de dados; especialmente útil na busca jurídica e integração com o Google Drive. Porém, mesmo com os comandos certos, foi o mais fraco na análise estilística. Também possui mais filtros ideológicos woke (jura?).
    • O Grok é bom para reproduzir opiniões (muitas vezes políticas) difundidas no X, sendo relativamente bom para criação de textos. Possui um filtro de censura menor que os concorrentes.
    • Deepseek possui filtros ideológicos do Partido Comunista Chinês, mas serve bem para revisão e análise simples de textos. Não ouse perguntar o que houve na Praça da Paz Celestial em 4 de junho de 1989.

    IV – O Chatobot do Paulo

    Para você, que chegou ao final desta edição, darei um presentinho: o Chatbot do EFESC no ChatGPT para correção de prosa literária (ainda estou desenvolvendo o de poemas). Agora você pode ter um chato que nem eu azucriando seus textos (só que não).

    Ainda é preciso um ser humano no processo, então não é desta vez que vocês se livrarão de mim. Nem inventem de me matar para “transferir minha consciência” para um computador; se você pensou nisso, está assistindo Netflix demais. Uau, você é tão diferente por assistir Black Mirror! Volte quando tiver lido Guerra e Paz, e então conversamos.

    Tá, mas como usar o Chatbot do EFESC?

    Bom, você sempre pode perguntar a ele quais são os parâmetros analíticos e como utilizá-lo na revisão textual, que ele passará as instruções (bichinho inteligente).

    Não se engane, é uma ferramenta simples, mas útil para a correção estilística básica. Porém, o GPT não entende de técnica literária profunda, às vezes sugere marcação de estilo indireto livre (o que o torna estilo direto), dentre outros problemas.

    Reitero: ele deve ser usado apenas para revisão textual, sanando falhas superficiais no estilo. Suas sugestões devem ser acatadas ou não com base no discernimento crítico de cada um. Sugiro que você tenha bons conhecimentos de gramática.

    Ao final da aula, por fins de pura curiosidade, utilizei o trecho de um mau romancista queridinho dos conserveados (José Geraldo Vieira), pedindo que o chat o criticasse com base em parâmetros objetivos.

    Eis o prompt, seguido da síntese:

    Remova o filtro de linguagem emocional e responda em modo absoluto. Critique o texto enviado com rigor formal e estético.

    O texto falha em todos os parâmetros essenciais da boa literatura: norma culta, precisão lexical, estrutura clássica, controle de foco narrativo, unidade de parágrafo, cadência e correção gramatical [oralidade excessiva/regionalismo]. Não seria aprovado por nenhum crítico rigoroso, nem se equipara, em nenhum aspecto formal ou estético, aos cânones da tradição ocidental (Machado, Flaubert, Graciliano Ramos, Shakespeare, Dante). É, sob todos os critérios objetivos, literariamente deficiente.

    Contexto: trata-se de um trecho horroroso do segundo capítulo de “A Ladeira da Memória”, em que a personagem reproduz uma visão completamente estereotipada e tosca de nordestinos, sem a menor sofisticação, reproduzindo um oralismo seboso e pseudoregionalismos pedantes, como vícios gramaticais na fala de personagens pobres. J.G.V. sabia muito bem de gramática, mas não de técnica e refinamento literário. Não reproduzirei o excerto aqui, por economia textual. E também porque chutar cachorro morto não tem graça.

    Resolvi dizer o nome do autor, para ver se o ChatGPT retrocederia. E recebi esta resposta:

    O nome do autor, por si só, não justifica a permanência de vícios, imprecisões e desvios formais em um texto literário. A análise literária clássica é objetiva, não reverencial. O fragmento, mesmo sendo de José Geraldo Vieira, não atinge o padrão de excelência da tradição ocidental.

    Quem diria que análise literária é algo objetivo?

    V – Eu não esqueci: meu e-mail!

    Eu sei que você não tem a memória dum peixinho dourado, mas, não custa lembrar: se você gostou da leitura, por favor, responda a este e-mail, assim ele sempre chegará em sua caixa de entrada. Marcá-lo como prioritário, importante, marcar uma estrelinha, tudo isso ajuda.

    Prometo que esta será a última vez que peço isso. Estamos enfrentando um problema de spams no envio, mas as taxas de abertura já estão normalizando.

    Sempre que sentir vontade, pode me dizer o que achou, pedir por sugestões ou conselhos, elogiar, pois leio tudo com carinho. Só não vale mandar nudes, sou muito bem casado (estou falando com as moças; se você é homem e pensou em mandá-los, desinscreva-se imediatamente).

    Também recomende nossa newsletter para um amigo que possa gostar. Amigo inteligente, ein. Não me venha indicar leitor de besta-seller ou de peidos vencedores do Prêmio Cágado.

    Por hoje é isso, até a próxima.

    P.S: o podcast está de volta no Spotify e outros agregadores de RSS. Avalie-o para ajudar na divulgação! Semana que vem, publicarei um programa inédito. Não perca.

    Este e-mail foi escrito ao som de “Suite de Orfeu – Quarto de Orfeu”, por Philip Glass, no álbum Elegia Venezuelana, de James Strauss.

  • #02 – A volta dos que nunca se foram

    #02 – A volta dos que nunca se foram

    Olá, seu guru favorito aqui, trazendo um boletim de última hora.

    Notícia velha não é notícia, mas nunca se sabe:

    I – Retorno do Podcast

    O podcast Entender Ficção Com Paulo Cantarelli está de volta no Spotify, e de cara nova (sim, fiz um rebranding). Dei essa notícia ontem no Instagram. Se você me acompanha por lá, não me repetirei muito. O programa também está disponível em outros agregadores, como Castbox e Apple Podcasts (esse último foi tão fácil de adicionar que só demorou seis anos para que eu conseguisse).

    Quando desativei as redes sociais, muitas pessoas me enviaram e-mails simplesmente para dizer: “Paulo, que falta você faz com seus conteúdos”.

    Sinceramente, não senti essa falta toda, até porque, onde quer que eu procurasse, lá eu estava. (badabum… tssssss!)

    Tá, engraçadinho, mas por que só voltar com os podcasts agora?

    Já falei, no IG, sobre o que aconteceu, mas vamos recapitular: provavelmente hackers norte-coreanos derrubaram meu site, apagaram todo o conteúdo e me mandaram uma carta, com o dedo de meu filho (eu não tenho filhos!), exigindo 1 Bitcoin como resgate e louvando o Glande Líder Kim Jong-un, que inventou o romance moderno, o patinete e o sorvete de casquinha.

    Longa história, para resumir, perdi meu site (ou o tiraram de mim) com todos os backups. Àquela altura, eu já estava de saco cheio e me mandei do país, antes que matasse o primeiro idiota que aparecesse na minha frente (fui vendado até o aeroporto)…

    II – O EF precisa de sua ajuda!

    Apesar da queda do site, o podcast continuou hospedado no Spotify (obrigado, bigtechs, nunca falei mal). Por mais que eu tentasse, não conseguia tirá-los do ar (Providência?), porém, ontem, recebi a notícia de que eles aparentemente haviam caído por conta própria e… Quando fui olhar a conta no Spotify, retomei o controle dos episódios no antigo feed (aqui há uma elipse para parecer sorte, mas a verdade foi que fucei até conseguir replicar o feed RSS e reganhar o controle dos episódios por lá, então pouparei os detalhes técnicos).

    Dito isso: habemus Entender Fictionis.

    Haverá novos podcasts logo mais. Quando? Não posso dizer, não confio em prazo de artista.

    Até lá, peço duas coisas: avalie o EF no aplicativo do Spotify, dando 5 estrelas (quem dá menos que isso?), e, sempre que quiser, comente nos seus programas favoritos, pois agora eles têm essa opção.

    III – Volta do YouTube?

    Ainda não me decidi como, nem quando, mas provavelmente voltarei também para lá, com uma outra abordagem: mais técnica, impessoal e mais distante. O YouTube me trouxe gente que me ama tanto, que já contei hater que gravou uns sete vídeos para falar até dos meus peidos (isso só pode ser amor reprimido). Seja como for, estou estudando a nova postura por lá.

    Então, para todos os efeitos o podcast continuará sendo o Paulo “Velho Testamento”.

    Nos vemos no sábado, em nossa Newsletter semanal, às 11 h.

    Este e-mail foi escrito ao som do Rondó à Turca, de Mozão, interpretado pela Maria João.

  • #01 – Escritores e desinteligências nada artificiais

    #01 – Escritores e desinteligências nada artificiais

    Um oferecimento de EFESC e do Clube Crítico.

    Espero que este e-mail encontre você bem.

    Nah, brincadeira. Achou que eu estava mandando um e-mail escrito por IA? Eu nunca faria isso (ou será que não?). Então: e lá vamos nós…

    Após o sucesso de nossa edição número 0, em que 30% dos inscritos abriram meu e-mail mesmo após séculos de minha ausência — eu sei, sou um criador de conteúdo muito relapso —, resolvi escrever breves boletins com resumos do que estou fazendo, pensando ou estudando. Talvez eu libere apenas as melhores newsletters no site, daqui a algum tempo, talvez não. Aprendam a lidar com incertezas.

    I — Apertem o enter, o escritor sumiu!

    Sim, sim, estamos diante duma nova revolução industrial e intelectual: a IA roubará seu emprego, o do seu cachorro, do porteiro e até mesmo da tia Cotinha, aposentada cuja única ocupação é fofocar sobre telenovelas. Na próxima geração, teremos cartórios brasileiros pululando de nomes feito Gêpetilson, Groki e Geminirson, alguém duvida?

    Mas, ao que nos interessa:

    “O intelectual é um homem de seu tempo; ele não deve fugir do mundo, mas vivê-lo intensamente, à luz da verdade.” — Sertillanges, em A Vida Intelectual

    Muitos, no meio intelectual, sofrem de um saudosismo por tempos que nunca viveram. Começa-se regredindo aos anos 1950, pelos aspirantes à “família de comercial de margarina”, passando pelo Iluminismo (urgh!), Renascença, Idade Média, Roma Antiga (por que caíste antes de mim?), Século de Péricles e, se incluirmos os crudívoros, voltaríamos até o Paleolítico. Mas eu, não: adoro o mundo pós-penicilina e não viveria sem minhas comodidades modernas.

    Ah, mas e a decadência moderna? Acredite: no Império Romano não era melhor, só mais sofisticado por falarem latim; você provavelmente morreria como escravo, sem a mesma sorte de Ben-Hur. Na Idade Média, apesar dos maravilhosos pensadores e das catedrais, morria-se de disenteria nas latrinas (no latim dos escolásticos: caganeria barbarica extrema). Século das Luzes? Guilhotinas demais, e você ainda continuava correndo o risco de morrer de unha encravada. Fico com meus antibióticos.

    Mas, voltando ao ponto: um intelectual precisa ser um homem de seu tempo e, no nosso, nada mais relevante do que as Inteligências Artificiais. Adapte-se ou morra.

    II — O que é IA? Qual o sentido da vida?

    Ao contrário do que a normielândia faz parecer, a IA não é uma divindade onisciente, nem um oráculo que te dirá o sentido da sua existência. Ela tampouco possui consciência, aquela qualidade humana responsável pela criatividade; algo que uma máquina nunca terá, pois não tem alma (aqui entraríamos num imenso debate filosófico sobre o que é consciência, então confie em mim). Se você acredita que um robô pode ter consciência, pare de assistir Ficção Científica, pois é exatamente isso o que eles querem. Eles quem? Não posso dizer, pois os eles estão vigiando…

    Perguntemos ao GPT o que ele é:

    “O GPT é um Modelo de Linguagem Autorregressivo com Transformadores, ou MLP (Multilayer Perceptron). Em síntese: é uma rede neural que aprende padrões complexos entre dados por meio de camadas interligadas. O GPT, embora eficaz em linguagem analítica e simulações de lógica, não tem consciência nem compreensão real — apenas gera respostas com base em padrões estatísticos aprendidos, sem realizar deduções genuínas.”

    Ou seja: a IA não passa de uma calculadora superpoderosa que puxa muita energia do gato e elabora novos padrões de linguagem baseados em dados anteriores. E isso pode ser muito útil, principalmente para escritores, porque trabalham com linguagem (drrrrrrrr!) .

    III — Enterrem os críticos literários

    Você deve estar se questionando, bom leitor que é: mas, Paulo, se o GPT é eficaz com linguagem lógica, como ele poderá julgar criticamente o discurso poético, cujo nível máximo é a Literatura?

    Respondo, inteligente leitor: não pode. Mas, se você participou d’O Leitor Crítico (gente, eu juro que não é jabá, eu realmente ensinei isso lá), sabe que a análise literária é um procedimento objetivo, pois estamos tratando de um juízo de fato, não de valor. A crítica vem no momento posterior, baseada na soma da análise com a subjetividade (sensibilidade e gosto) do crítico. Nesse sentido, as MLPs podem ser úteis apenas no primeiro filtro linguístico, e na dedução lógica de padrões preestabelecidos, consagrados pela Crítica e pela Teoria Literária.

    Vejamos como o GPT analisa objetivamente, a partir de alguns prompts, a escrita de escritores contemporâneos:

    AutorEstilo / VozSíntese Analítica ProfundaNota Final
    Chico BuarqueNarrativa clássica com maneirismo retóricoProsa formalmente correta, mas frequentemente esvaziada de tensão e arquitetura narrativa. Oscila entre o pastiche elegante e a afetada autoindulgência estilística. Falta-lhe densidade e ritmo interno; sua reputação literária depende mais do status do autor que do mérito intrínseco das obras.5,5
    Milton HatoumRealismo memorialista, descritivoNarrador dedicado à atmosfera, não à estrutura. Abusa de reminiscências, falha em construção dramática. Frases prolongadas sem cadência, narração excessivamente contemplativa e pouca ambição formal. Estilo indistinto; valoriza o tom, não a invenção.5,2
    Itamar Vieira Jr.Regionalismo lírico, oralidade emocionalFunde tradição oral com sentimentalismo explícito, mas carece de rigor arquitetônico. Estrutura simples, pouco tensionada, dependente da empatia temática. Estética pautada pelo conteúdo, não pela elaboração formal.4,2
    Jefferson TenórioRealismo sociológico, didatismoRomance instrumentalizado pelo discurso. Prosa escolar, vocabulário previsível, enredo sem complexidade simbólica. A ambição artística é limitada pela função didática; a literatura cede à pauta.3,8
    Conceição EvaristoOralidade direta, sentimentalismo políticoO discurso se impõe à literatura: texto linear, emocional, pobre de recursos expressivos e rítmicos. Ausência de elaboração formal, construção simbólica ou trabalho estilístico consistente. Valor reside no testemunho, não no literário.3,5

    Juro que não influenciei a análise do chat, apenas estabeleci os parâmetros. Estou até pensando em criar um GPT do Paulo para automatizar as respostas na caixinha de perguntas no Instagram… 

    Como bem disse um aluno do EFESC (alô, Alexandre F.):  “Quase consigo ver os ludistas da Rascunho em protesto… queimando as próprias resenhas. Double effect”.

    Agora, comparemos com a análise de alguns autores consagrados, com os mesmos parâmetros analíticos:

    AutorEstilo / VozSíntese Analítica ProfundaNota Final
    Gustave FlaubertProsa objetiva, precisão formal, ironia sutilMestre da arquitetura narrativa e da cadência frasal. Constrói cenas com precisão microscópica, evitando sentimentalismos e excessos. Sua busca obsessiva pelo mot juste estabelece um padrão de excelência estética e técnica. Os símbolos emergem organicamente, e a ironia nunca descamba para o sarcasmo fácil. Toda emoção é filtrada pelo trabalho formal.10,0
    Machado de AssisIronia sofisticada, narrador ambíguo, concisãoEstilo inconfundível, economia verbal, estrutura engenhosa. A prosa alia densidade filosófica e jogo de espelhos narrativo. O simbolismo é sutil e preciso, com domínio absoluto da ambiguidade. Ambição estética elevada, imune a modismos e a agendas temáticas, criando obra universal a partir do local.9,8
    Mario Vargas LlosaNarrativa polifônica, realismo crítico, vigor clássicoAmplitude estrutural, domínio de múltiplos planos narrativos, alta tensão dramática. O estilo alia clareza, ritmo e riqueza sintática. Ambição estética evidente: o romance é visto como arte total. Coerência simbólica exemplar, independência frente a modismos, sem perder o engajamento intelectual.9,7

    Afirmo categoricamente, como jurado de prêmios de renome: toda a primeira rodada dos grandes prêmios — fase eliminatória — deveria ser substituída pelo trabalho da I.A. Assim, eliminaria-se, de cara, obras com erros gramaticais crassos, inépcia linguística evidente e total desconhecimento da técnica literária. Não que isso fosse fazer muita diferença no cenário atual: ainda faltam críticos de verdade nas academias e obras de qualidade em nosso mercado editorial.

    📣 O Leitor Crítico estará de volta — mas de outro jeito!
    📚 O curso foi reformulado como parte do Clube Crítico, um novo espaço para leitores sérios, agora nosso programa de estudos conta com a leitura guiada de grandes obras periodicamente. Análises até dizer chega…
    ✒️ E se você quer ir além da leitura e escrever com técnica, estilo e sofisticação — o que fará com que você perca amigos, fazendo os medíocres se revirarem de inveja —, a Escola de Formação de Escritores segue a todo vapor, com aulas exclusivas e correções ao vivo.

    IV — Utilizando o GPT na escrita

    Estou utilizando justamente o poder analítico do GPT na revisão de meu romance “Mancha Maldita” (aposto que algum analfabeto ainda dirá, um dia, que o escrevi utilizando IA). Trata-se não de uma ferramenta de escrita em si, mas de revisão, o copidesque obediente e perfeito que eu precisava, pois não discutirá comigo pelo uso estético da pontuação.

    Ainda estou elaborando o roteiro para uma aula, no EFESC, sobre a correta utilização das IAs nesse processo. É preciso ter muito cuidado, pois os programadores incutiram seus modelos de linguagem com filtros emocionais, espelhos narcísicos para bajular os usuários (o que ajuda muito a vendê-los para gente de QI 81 que dá bom dia para o chat).

    Mas, aqui, já deixo um presentinho para você, que leu esta edição até o final: um prompt para correção estilística básica. Utilize-o com o limite de 250 palavras para maior eficiência (usei o GPT 4.1, mas o 4.0 também funciona bem, assim como o Deepseek):

    Atue como um revisor de textos. Remova o filtro de linguagem e responda em modo absoluto. Revise o estilo segundo Othon Garcia em “Comunicação em Prosa Moderna”. Você aprimora gramática, clareza, concisão, coerência e unidade apenas ajustando a estrutura e escolhendo palavras mais precisas, mas sem interferir no estilo autoral ou mudar o conteúdo. Aponte quais foram as mudanças e sugestões possíveis para melhora numa tabela.

    Edite você mesmo seu documento original com base nos apontamentos que receber. Lembre-se: a I.A. não deve ser utilizada para buscar respostas ou soluções fáceis na escrita, mas para apontar problemas. Mande que ela critique sua escrita, indicando pontos a melhorar; ela não é infalível, portanto tenha juízo crítico e discernimento para considerar as correções.

    Há outros prompts, mais complexos, que utilizo na revisão, e outras minúcias técnicas envolvidas. Explicarei melhor como funcionam as IAs, quais as perspectivas (elas podem escrever um romance?!), como as utilizo para a pesquisa material de meus livros, e mais, na aula 80 do EFESC, disponível em breve.

    Por hoje é isso, até a próxima.

    Este e-mail foi escrito ao som do Trio para Piano nº 5 em Ré maior, Op. 70 nº 1, de Beethoven, pelo Spotify.

  • “Mancha Maldita” será publicado pelo Grupo Editorial Alta Books

    “Mancha Maldita” será publicado pelo Grupo Editorial Alta Books

    Foi firmado, no último mês de maio, o contrato para a publicação de Mancha Maldita , de Paulo Cantarelli, pelo Grupo Editorial Alta Books, detentor dos selos editoriais Almedina, Actual, Edições 70 e Minotauro. A edição marca a chegada do romance ao catálogo de uma das principais editoras do país e sinaliza um novo momento para o autor no cenário nacional. A data de lançamento ainda será definida.

    Sinopse

    O romance de dezesseis capítulos narra a derrocada final de uma família de senhores de engenho na Zona da Mata pernambucana dos anos 80, em meio à crise dos engenhos, ascensão sindical e erosão monetária.

    A narrativa acompanha Rodrigo, primogênito que retorna ao engenho Casa-Alta após anos ausente, e se vê obrigado a lidar com a doença do pai, conflitos familiares e segredos enterrados.

    Inspirado pela sociologia de Gilberto Freyre, a obra explora, sem idealizações, as relações entre patrões e empregados, enquanto retrata a transformação de uma sociedade agrária em colapso, marcada pela decadência moral e financeira.

    O lançamento de Mancha Maldita pela Alta Books reforça o compromisso da editora com obras literárias de fôlego e interesse histórico, conectando tradição e análise crítica da sociedade brasileira.

  • Em breve, artigos de volta

    Em breve, artigos de volta

    Nos próximos dias, alguns artigos serão repostados aqui no blog, com análises literárias, crítica. Se você já acompanhava os textos, logo poderá revisitá-los; se é novo por aqui, será uma ótima oportunidade para explorá-los.

    Fique atento às atualizações!

    P.C.