Um oferecimento de EFESC e do Clube Crítico.
Espero que este e-mail encontre você bem.
Nah, brincadeira. Achou que eu estava mandando um e-mail escrito por IA? Eu nunca faria isso (ou será que não?). Então: e lá vamos nós…
Após o sucesso de nossa edição número 0, em que 30% dos inscritos abriram meu e-mail mesmo após séculos de minha ausência — eu sei, sou um criador de conteúdo muito relapso —, resolvi escrever breves boletins com resumos do que estou fazendo, pensando ou estudando. Talvez eu libere apenas as melhores newsletters no site, daqui a algum tempo, talvez não. Aprendam a lidar com incertezas.
I — Apertem o enter, o escritor sumiu!
Sim, sim, estamos diante duma nova revolução industrial e intelectual: a IA roubará seu emprego, o do seu cachorro, do porteiro e até mesmo da tia Cotinha, aposentada cuja única ocupação é fofocar sobre telenovelas. Na próxima geração, teremos cartórios brasileiros pululando de nomes feito Gêpetilson, Groki e Geminirson, alguém duvida?
Mas, ao que nos interessa:
“O intelectual é um homem de seu tempo; ele não deve fugir do mundo, mas vivê-lo intensamente, à luz da verdade.” — Sertillanges, em A Vida Intelectual
Muitos, no meio intelectual, sofrem de um saudosismo por tempos que nunca viveram. Começa-se regredindo aos anos 1950, pelos aspirantes à “família de comercial de margarina”, passando pelo Iluminismo (urgh!), Renascença, Idade Média, Roma Antiga (por que caíste antes de mim?), Século de Péricles e, se incluirmos os crudívoros, voltaríamos até o Paleolítico. Mas eu, não: adoro o mundo pós-penicilina e não viveria sem minhas comodidades modernas.
Ah, mas e a decadência moderna? Acredite: no Império Romano não era melhor, só mais sofisticado por falarem latim; você provavelmente morreria como escravo, sem a mesma sorte de Ben-Hur. Na Idade Média, apesar dos maravilhosos pensadores e das catedrais, morria-se de disenteria nas latrinas (no latim dos escolásticos: caganeria barbarica extrema). Século das Luzes? Guilhotinas demais, e você ainda continuava correndo o risco de morrer de unha encravada. Fico com meus antibióticos.
Mas, voltando ao ponto: um intelectual precisa ser um homem de seu tempo e, no nosso, nada mais relevante do que as Inteligências Artificiais. Adapte-se ou morra.
II — O que é IA? Qual o sentido da vida?
Ao contrário do que a normielândia faz parecer, a IA não é uma divindade onisciente, nem um oráculo que te dirá o sentido da sua existência. Ela tampouco possui consciência, aquela qualidade humana responsável pela criatividade; algo que uma máquina nunca terá, pois não tem alma (aqui entraríamos num imenso debate filosófico sobre o que é consciência, então confie em mim). Se você acredita que um robô pode ter consciência, pare de assistir Ficção Científica, pois é exatamente isso o que eles querem. Eles quem? Não posso dizer, pois os eles estão vigiando…
Perguntemos ao GPT o que ele é:
“O GPT é um Modelo de Linguagem Autorregressivo com Transformadores, ou MLP (Multilayer Perceptron). Em síntese: é uma rede neural que aprende padrões complexos entre dados por meio de camadas interligadas. O GPT, embora eficaz em linguagem analítica e simulações de lógica, não tem consciência nem compreensão real — apenas gera respostas com base em padrões estatísticos aprendidos, sem realizar deduções genuínas.”
Ou seja: a IA não passa de uma calculadora superpoderosa que puxa muita energia do gato e elabora novos padrões de linguagem baseados em dados anteriores. E isso pode ser muito útil, principalmente para escritores, porque trabalham com linguagem (drrrrrrrr!) .
III — Enterrem os críticos literários
Você deve estar se questionando, bom leitor que é: mas, Paulo, se o GPT é eficaz com linguagem lógica, como ele poderá julgar criticamente o discurso poético, cujo nível máximo é a Literatura?
Respondo, inteligente leitor: não pode. Mas, se você participou d’O Leitor Crítico (gente, eu juro que não é jabá, eu realmente ensinei isso lá), sabe que a análise literária é um procedimento objetivo, pois estamos tratando de um juízo de fato, não de valor. A crítica vem no momento posterior, baseada na soma da análise com a subjetividade (sensibilidade e gosto) do crítico. Nesse sentido, as MLPs podem ser úteis apenas no primeiro filtro linguístico, e na dedução lógica de padrões preestabelecidos, consagrados pela Crítica e pela Teoria Literária.
Vejamos como o GPT analisa objetivamente, a partir de alguns prompts, a escrita de escritores contemporâneos:
Autor | Estilo / Voz | Síntese Analítica Profunda | Nota Final |
Chico Buarque | Narrativa clássica com maneirismo retórico | Prosa formalmente correta, mas frequentemente esvaziada de tensão e arquitetura narrativa. Oscila entre o pastiche elegante e a afetada autoindulgência estilística. Falta-lhe densidade e ritmo interno; sua reputação literária depende mais do status do autor que do mérito intrínseco das obras. | 5,5 |
Milton Hatoum | Realismo memorialista, descritivo | Narrador dedicado à atmosfera, não à estrutura. Abusa de reminiscências, falha em construção dramática. Frases prolongadas sem cadência, narração excessivamente contemplativa e pouca ambição formal. Estilo indistinto; valoriza o tom, não a invenção. | 5,2 |
Itamar Vieira Jr. | Regionalismo lírico, oralidade emocional | Funde tradição oral com sentimentalismo explícito, mas carece de rigor arquitetônico. Estrutura simples, pouco tensionada, dependente da empatia temática. Estética pautada pelo conteúdo, não pela elaboração formal. | 4,2 |
Jefferson Tenório | Realismo sociológico, didatismo | Romance instrumentalizado pelo discurso. Prosa escolar, vocabulário previsível, enredo sem complexidade simbólica. A ambição artística é limitada pela função didática; a literatura cede à pauta. | 3,8 |
Conceição Evaristo | Oralidade direta, sentimentalismo político | O discurso se impõe à literatura: texto linear, emocional, pobre de recursos expressivos e rítmicos. Ausência de elaboração formal, construção simbólica ou trabalho estilístico consistente. Valor reside no testemunho, não no literário. | 3,5 |
Juro que não influenciei a análise do chat, apenas estabeleci os parâmetros. Estou até pensando em criar um GPT do Paulo para automatizar as respostas na caixinha de perguntas no Instagram…
Como bem disse um aluno do EFESC (alô, Alexandre F.): “Quase consigo ver os ludistas da Rascunho em protesto… queimando as próprias resenhas. Double effect”.
Agora, comparemos com a análise de alguns autores consagrados, com os mesmos parâmetros analíticos:
Autor | Estilo / Voz | Síntese Analítica Profunda | Nota Final |
Gustave Flaubert | Prosa objetiva, precisão formal, ironia sutil | Mestre da arquitetura narrativa e da cadência frasal. Constrói cenas com precisão microscópica, evitando sentimentalismos e excessos. Sua busca obsessiva pelo mot juste estabelece um padrão de excelência estética e técnica. Os símbolos emergem organicamente, e a ironia nunca descamba para o sarcasmo fácil. Toda emoção é filtrada pelo trabalho formal. | 10,0 |
Machado de Assis | Ironia sofisticada, narrador ambíguo, concisão | Estilo inconfundível, economia verbal, estrutura engenhosa. A prosa alia densidade filosófica e jogo de espelhos narrativo. O simbolismo é sutil e preciso, com domínio absoluto da ambiguidade. Ambição estética elevada, imune a modismos e a agendas temáticas, criando obra universal a partir do local. | 9,8 |
Mario Vargas Llosa | Narrativa polifônica, realismo crítico, vigor clássico | Amplitude estrutural, domínio de múltiplos planos narrativos, alta tensão dramática. O estilo alia clareza, ritmo e riqueza sintática. Ambição estética evidente: o romance é visto como arte total. Coerência simbólica exemplar, independência frente a modismos, sem perder o engajamento intelectual. | 9,7 |
Afirmo categoricamente, como jurado de prêmios de renome: toda a primeira rodada dos grandes prêmios — fase eliminatória — deveria ser substituída pelo trabalho da I.A. Assim, eliminaria-se, de cara, obras com erros gramaticais crassos, inépcia linguística evidente e total desconhecimento da técnica literária. Não que isso fosse fazer muita diferença no cenário atual: ainda faltam críticos de verdade nas academias e obras de qualidade em nosso mercado editorial.
📣 O Leitor Crítico estará de volta — mas de outro jeito!
📚 O curso foi reformulado como parte do Clube Crítico, um novo espaço para leitores sérios, agora nosso programa de estudos conta com a leitura guiada de grandes obras periodicamente. Análises até dizer chega…
✒️ E se você quer ir além da leitura e escrever com técnica, estilo e sofisticação — o que fará com que você perca amigos, fazendo os medíocres se revirarem de inveja —, a Escola de Formação de Escritores segue a todo vapor, com aulas exclusivas e correções ao vivo.
IV — Utilizando o GPT na escrita
Estou utilizando justamente o poder analítico do GPT na revisão de meu romance “Mancha Maldita” (aposto que algum analfabeto ainda dirá, um dia, que o escrevi utilizando IA). Trata-se não de uma ferramenta de escrita em si, mas de revisão, o copidesque obediente e perfeito que eu precisava, pois não discutirá comigo pelo uso estético da pontuação.
Ainda estou elaborando o roteiro para uma aula, no EFESC, sobre a correta utilização das IAs nesse processo. É preciso ter muito cuidado, pois os programadores incutiram seus modelos de linguagem com filtros emocionais, espelhos narcísicos para bajular os usuários (o que ajuda muito a vendê-los para gente de QI 81 que dá bom dia para o chat).
Mas, aqui, já deixo um presentinho para você, que leu esta edição até o final: um prompt para correção estilística básica. Utilize-o com o limite de 250 palavras para maior eficiência (usei o GPT 4.1, mas o 4.0 também funciona bem, assim como o Deepseek):
Atue como um revisor de textos. Remova o filtro de linguagem e responda em modo absoluto. Revise o estilo segundo Othon Garcia em “Comunicação em Prosa Moderna”. Você aprimora gramática, clareza, concisão, coerência e unidade apenas ajustando a estrutura e escolhendo palavras mais precisas, mas sem interferir no estilo autoral ou mudar o conteúdo. Aponte quais foram as mudanças e sugestões possíveis para melhora numa tabela.
Edite você mesmo seu documento original com base nos apontamentos que receber. Lembre-se: a I.A. não deve ser utilizada para buscar respostas ou soluções fáceis na escrita, mas para apontar problemas. Mande que ela critique sua escrita, indicando pontos a melhorar; ela não é infalível, portanto tenha juízo crítico e discernimento para considerar as correções.
Há outros prompts, mais complexos, que utilizo na revisão, e outras minúcias técnicas envolvidas. Explicarei melhor como funcionam as IAs, quais as perspectivas (elas podem escrever um romance?!), como as utilizo para a pesquisa material de meus livros, e mais, na aula 80 do EFESC, disponível em breve.
Por hoje é isso, até a próxima.
Deixe um comentário